O
Sol viu nascer aquela flor, numa manhã clara de Domingo, de céu
muito azul. Flor pequenina e frágil, que , por sua delicadeza,
destacava-se naquele imenso jardim. Deleitou-se toda a manhã observando
o espetáculo do desabrochamento. Ela passou horas se preparando
para sair, e quando finalmente tomou coragem, quão bela mostrou-se!
Estava ao mesmo tempo assustada e curiosa. Observava tudo com olhinhos
sedentos de novidades. Riu gostosamente quando sentiu o primeiro vento
a soprar-lhe nas pétalas, e bateu palmas de alegria ao observar
as borboletas e os pássaros, que voaram em acrobacias, para darem-lhe
as boas-vindas.
E ele, Sol tão poderoso, sentiu uma atração inexplicável
por aquele serzinho nascido da irmã Terra. Pensava em quem a protegeria
dos males do mundo, se estava tão sozinha. Durante o dia, convocou
suas irmãs nuvens para protegê-la de seus fortes raios. Mas
não permitia ser encoberto por inteiro, queria continuar velando
por ela.
Naquele dia, o Sol demorou-se mais para ir embora, adiou o mais que pôde
a sua partida, pois sentia vontade de continuar admirando a flor, que
ele já chamava " sua" . Mas teve que ir, e sua volta ao outro lado
do mundo foi particularmente longa. Estava preocupado com ela, como estaria
passando sua primeira noite no mundo?
Lutando contra as leis de sua mãe Natureza, adiantou-se alguns
minutos naquela nova manhã, estava agoniado para ver se tudo estava
bem. E que tamanho alívio sentiu ao despontar no horizonte , lançar
seus olhos que tudo alcançam, e perceber sua flor adormecida em
paz, intacta, ainda mais bela do que no dia anterior. Com enorme prazer
assistiu ao seu despertar, e brilhou um pouco mais forte para aquecê-la
, livrando-a do orvalho da madrugada.
O Sol estava irremediavelmente apaixonado. Todos os seres da Natureza
perceberam que agora ele passava os dias a brilhar de forma mais amena,
pois não queria queimar as pétalas de sua amada. Suspirava
de amor, provocando um vento quente sobre a Terra. Se ela estava bem,
ele também estava. Se a percebia triste e melancólica, chorava
e derramava lágrimas em forma de chuva morna. E ordenava aos pássaros
e borboletas que alegrassem sua flor, voando e cantando ao seu redor.
Os crepúsculos agora eram ainda mais tristes, em tons de vermelho,
como se o Sol lutasse para ficar mais um pouco. E as auroras muito mais
alegres, iluminadas. Os pássaros eram os menestréis desse
inusitado amor, soltando trinados melancólicos
ao crepúsculo, numa canção de despedida, e acordes
de puro júbilo quando a aurora anunciava-se, trazendo o Sol enamorado.
Nos dias de chuva, quando as irmãs nuvens eram mais fortes que
ele, pedia ao rouxinol para avisar sua flor que nada temesse, pois, mesmo
parecendo estar longe, ele estaria logo ali, por trás das nuvens,
mirando-a por alguma fresta. Que não tivesse medo de raios e trovões,
pois todos sabiam que ela era sua protegida, e por isso nada fariam que
pudesse machucá-la . E a flor, sentindo-se amparada, aprendeu também
a amar a chuva, que a refrescava.
O Sol amava mais e mais a cada dia, e a flor desfrutava o mais que podia
de tão grande amor. Correspondia, tornando-se mais bela com o tempo,
para alegrar quem tanto a amava. Tinha por companheiros os bichinhos do
jardim: joaninhas, lagartixas, tatuzinhos , borboletas
e até as temidas formigas, que não se atreviam a ferir a
florzinha, pois temiam serem tostadas pelo Sol vingativo. E ainda tinha
o vento, que dançava por ali, e se enroscava em suas folhas, provocando-lhe
risinhos de contentamento, o que ocasionava cenas de ciúmes por
parte do Sol, que soprava um de seus suspiros quentes, espantando o vento
fresco... Com os pássaros divertia-se aprendendo suas canções
preferidas, organizando recitais para todo o jardim, em honra ao seu protetor
Sol.
E assim vivia a florzinha; pelos dias exibia-se para seu amante , pelas
noites dormia e sonhava com ele. E o Sol vivia feliz, tocando com seus
raios cada pétala de sua amada. Quando partia, deixava tropas de
vaga-lumes por perto dela, para que a escuridão não a amedrontasse
tanto. E a flor dormia em paz.
Mas uma noite foi despertada por um vento mais gelado, que deu-lhe arrepios
pelo corpinho. Abriu seus olhos, chamou seus amigos vaga-lumes e perguntou
o que se passava. Os vaga-lumes responderam se tratar da chegada da Lua,
rainha da noite. Lua? Quem era essa, tão petulante a ponto de despertá-la
de seu sono? Seus amigos então lhe disseram que , desde seu nascimento,
a Lua vinha todas as noites, mas esta noite era especial, pois ela vinha
em sua forma mais ampla, mais completa. Era a Lua cheia, com todo seu
encantamento, trazendo junto dela todo o romantismo dos amantes e a capacidade
de sonhar dos poetas. O vento anunciava sua chegada triunfal, provocando
calafrios em todos os seres da terra.
A flor olhou para o céu, e notou um forte clarão por trás
de algumas nuvens. E então, aos poucos, mais lentamente ainda que
o nascimento da florzinha, a Lua foi revelando-se... saiu de seu esconderijo,
esplendorosamente bela, arrancando aplausos das criaturas noturnas.
Aí foi a vez da flor assistir a um espetáculo de rara beleza.
Ficou ali, parada, boquiaberta, sem poder dizer nada, tomada por puro
encantamento. Por que o Sol nunca havia
lhe dito que existia no mundo uma criatura tão bela como a Lua?
A flor apaixonou-se pela Lua e trocou o dia pela noite. Passava as noites
a admirar a Lua lá no céu, e os dias a suspirar por ela
nos poucos momentos em que passava desperta. Chorava desconsoladamente
nos períodos de lua nova, quando a procurava e não a encontrava.
Sofria também no período crescente , quando ela mostrava-se
tão fria e indiferente. Nas noites em que ela surgia cheia e bela,
era a alegria do mundo, e a flor não cabia em si de tanto contentamento.
No período minguante, quando a Lua anuncia e prepara sua partida,
a flor desesperava-se, pensando em como seriam tristes as próximas
noites. Chorava e implorava, entre soluços, para que ela ficasse
um pouco mais, que não se fosse. Mas a Lua, do alto de seu orgulho,
não a atendia, e partia sem olhar para trás. Sabia que,
não importando o tempo que se ausentasse, a flor estaria lá.
E assim acontecia. Mesmo nas noites de lua nova, quando a flor sabia que
a Lua não viria, ficava esperando, acordada, olhando para o céu
na esperança de que a Lua sentisse sua falta e voltasse.
E o Sol? Ah, pobre Sol... Sem saber o que se passava , pois ninguém
se atrevia a contar-lhe, desesperava-se achando que sua flor estava doente.
Percebeu algo estranho logo no primeiro dia, ao chegar e encontrá-la
em sono profundo, que prolongou-se até o meio-dia, como se ela
não tivesse dormido a noite toda. E continuou notando as mudanças,
cada vez mais preocupado. Sua flor não era mais a mesma. Passava
os dias numa tristeza sem fim, e se sorria, era um sorriso de pura melancolia.
Se os pássaros a animavam a cantar, eram canções
de saudade que saíam de sua boca. Não se alegrava mais com
a dança das borboletas, nem com os pássaros, nem com as
nuvens. Estava sempre ansiosa e só mostrava-se um pouco melhor
quando sentia o vento frio anunciando a chegada da noite. Não sentia
mais prazer em suas conversas com o Sol, e a cada dia dormia mais e mais,
sem ânimo para a vida diurna.
O Sol, fiel como sempre, cuidava para que o repouso de sua bela fosse
pleno. Pedia músicas suaves aos pássaros para embalar seus
sonhos, e chuva fresca às irmãs nuvens quando o calor ameaçava
o bem-estar da florzinha. Nos poucos momentos em que ela abria seus olhos,
via seu fiel guardião a observá-la lá do alto, e
sorria tristemente, pois também amava o Sol, era muito grata a
ele, e não queria causar-lhe tanto sofrimento. Mas que culpa tinha
se amava tanto a Lua, se não conseguia lutar contra amor tão
forte?
E veio o dia em que a flor não mais abriu seus olhos para o Sol,
que, desesperado, pensando que sua flor
morrera, urrava como louco. E chorava, implorando para que alguém
lhe fizesse entender o acontecido. Um vaga-lume, apiedando-se dele, contou-lhe
tudo o que se passara desde que a flor vislumbrara a Lua pela primeira
vez. O Sol ficou perplexo, não queria aceitar o que ouvia! Sentiu
a dor mais profunda que já sentira em sua longa existência,
e emanou calor intenso, de puro sofrimento, sufocando as criaturas terrestres.
Tudo era quente, quente como a dor que dilacerava seu coração.
Mas foi a última vez que isso aconteceu. A dor o enfraquecia, que
dia a dia brilhava menos. Já não via sentido em nada, não
sentia alegria, não tinha forças nem motivação
para estender seus raios sobre a Terra, que assim tornava-se mais e mais
fria, prejudicando a todos que nela viviam.
A flor agora era a Dama da Noite, que só abria suas pétalas
ao anoitecer, exalando o perfume mágico do amor, que era então
espalhado pelo vento, inebriando todos os amantes do mundo. Nunca mais
o Sol teve o prazer de um olhar ou de um sorriso de sua flor tão
amada.
Sol cada vez mais fraco, Terra cada vez mais fria. Foi aí que a
Mãe Natureza, em sua incomparável sabedoria, resolveu intervir.
Depois de muito pensar, fez nascer em cada canto da Terra um campo de
flores grandes e amarelas, tão exuberantes que seriam capaz de
fazer o Sol se esquecer um pouquinho de sua flor ingrata. Essas flores
nasceram com a única incumbência de render homenagens ao
Sol, seguindo-o com o olhar, desde a hora de seu surgimento , até
a hora de sua partida. E como esses campos espalhavam-se por toda a Terra,
jamais o sol estava sozinho, jamais. Por onde lançasse seu olhar,
lá estariam as suas flores fiéis, que tinham ordens expressas
para desprezar a Lua. Cada uma dessas flores foi batizada de Girassol.
Assim, o Sol foi aprendendo a conviver com a dor. Com a ajuda de seus
girassóis, as feridas de amor começaram a cicatrizar, e
tudo foi voltando ao normal. Já conseguia brilhar mais intensamente,
entendendo que era responsável por muitas coisas, que todos necessitavam
de seu calor para viver. Claro que, quando passava pelo jardim onde dormia
sua flor, lançava seu olhar a ela e sentia uma pontada de dor.
No fundo, no fundo, ainda nutria esperanças de vê-la livre
do feitiço da Lua, de tê-la novamente com ele, de receber
seu olhar e seu sorriso.
Mas isso nunca aconteceu. A Dama da Noite era da Lua, só dela e
de mais ninguém. Até hoje perfuma as noites dos amantes
, alegra-se na companhia da Lua e chora sua ausência. E em cada
lágrima caída, uma outra flor nasce, trazendo mais e mais
perfume de amor ao mundo...
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